sábado, 9 de abril de 2011

POEMA DA ANTEVÉSPERA

Atenção! abram as janelas do mundo
para que a luz possa entrar!
Pois não vemos nada, apenas
sombras emparedadas à noite,
apenas estrelas acorrentadas à noite.
Já não nos pertencemos, nossas
mãos se perdem em contactos ausentes.
Precisamos de luz para lavar as mãos,
para lavar as almas, para lavar as idéias.
Abram logo as janelas do mundo
para que a luz possa entrar!

A escuridão veio esconder nossa vergonha,
veio esconder-nos de nós mesmos. Sentimos
o peso de todos os remorsos, sentimos
o esforço muscular da dor estrangulando a alma.
Vivemos sob uma atmosfera irrespirável de ecos,
tudo isso porque não há mais luz no mundo.

Agora corre por nós um calafrio
ao escutarmos passos juntos aos degraus da infância
-passos que transcendem o horizonte;
fechamos os ouvidos por não soletram as sílabas do amor.
Apenas o olhar das trevas olhando pelos olhos
do mundo, como se faltasse um ponto de apoio
no universo. Esquecemo-nos no escuro.
Nossa imagem se perdeu quando a luz se apagou.

Quando o corpo estiver irreconhecìvelmente inerte,
quem nos verá gesticulando em voz alta?
Nunca mais usaremos a velha dentadura,
também de nada valerão nossos sapatos velhos.
E, se nos abandonarem sem necropsia,
iremos como quem não se espera ao fim da viagem . . .
Tudo isso porque não há mais luz no mundo.

Eis o arrastar das palavras que escorregam
inutilmente pelos nossos ouvidos; nem mesmo
as mãos revelam a plástica de nossa realidade;
nossas utopias se esvaem sem pontes, nem raízes:
navegamos entre os peixes no aquário da insônia.
Por favor, abram logo as janelas do mundo
para que a luz possa entrar!

Colombo de Sousa
In: Estágio 1960

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário